Gostaria de poder dizer que sou do tipo de garota que não se importa com o que os outros dizem, do tipo que não se apega facilmente, que não faz tanta questão de ser amada e que não precisa dos outros pra viver. Eu gostaria mesmo que isso fosse verdade. Acontece que eu sou completamente o oposto disso. Eu sou frágil, sensível. Qualquer palavra, qualquer sinal, a mínima expressão pode me deixar aos pedaços.
Sim, eu sei, não sou a única garota sensível do mundo. Mas, certamente, sou a única com super poderes. Pelo menos a única que eu conheço. Não sei de onde eu herdei isso, também não sei por que fui “abençoada” com esse dom, mas, de certa maneira, eu sempre soube que era diferente. Os poderes começaram a se manifestar de maneira bem simples, quando eu tinha apenas dois anos. Ou talvez eu já os tivesse antes, só não percebia. Até os 11 anos de idade, fazia apenas coisas banais como levitar uma coisa ou outra, comer sem o auxílio das mãos… Coisas bem simples e sem importância. Mas foi com 11 anos que eu realmente descobri o porquê de tudo isso, qual é o meu verdadeiro e maior poder, a minha vocação, o motivo de eu estar aqui. Eu tenho o poder de acalmar as pessoas, de consolá-las, de fazê-las sentir melhor. Isso vai muito além apenas das palavras, ou algo que qualquer mortal pode fazer. Na realidade tem a ver com aquela coisa de super-heroína, e acredito que seja a única coisa que ainda me mantém presa a este mundo.
Desde pequena, eu sempre fui boa com as palavras, isso eu não posso negar. Sempre que eu conversava com pessoas que não estavam se sentindo bem, seja quem quer que fosse eu sempre as fazia sentir melhor. Por um bom tempo, eu realmente acreditei que apenas era “boa com as palavras”, mas depois comecei a associar isso com os meus outros dons esquisitos, e fui tendo cada vez mais certeza de que eles estavam todos relacionados. Digamos que eu seja uma super-heroína emocional.
Mas eu tenho um sério problema. Tenho alguns, na verdade. Mas, dentre eles, o mais importante é que eu consigo acalmar, aconselhar, ajudar e deixar muito melhor qualquer pessoa. Qualquer pessoa, exceto eu mesma. Eu não sei por que, mas a coisa simplesmente não funciona comigo. Já tentei usar do meu poder comigo mesma inúmeras vezes, já fiquei horas na frente do espelho conversando comigo, tentando dizer palavras que fossem me consolar e me fazer sentir melhor, palavras que costumam funcionar com os outros. Não comigo. Embora eu deva ser a pessoa que mais precisa dos meus conselhos.
Um fato que sempre me deixou deprimida foi o de que eu sempre ajudo a todos. Sempre estou lá para quem precisar de um ombro pra chorar, um ouvido pra desabafar, um abraço amigo, um colo que seja capaz de levantar do chão. Sempre representei tudo isso, mas nunca fui retribuída com nada dessas coisas. Nunca ninguém se disponibilizou a me ajudar, sequer a me ouvir quando eu mais precisei. E eu precisei, e muito. Era o que eu mais queria nos momentos de tristeza, alguém disposto a me ajudar a me reerguer. Mas nunca tive ninguém. Acontece que eu aprendi a viver assim, me acostumei com a minha dura realidade, e aceitei o fato de que eu sou aquela que ajuda, que aconselha, e que não ganha nada em troca. Nada além daquela sensação engraçada no cantinho do estômago, aquela sensação que você tem por ter feito bem a alguém. Mas também não passa disso.
Só que um dia minha vida mudou um pouco, o suficiente pra eu começar a enxergar as coisas de outro modo. Eu sabia muito bem qual era a sensação de amar alguém, amar tanto a ponto de fazer qualquer coisa por essa pessoa, essa sensação eu conhecia bem. A sensação que eu ainda não conhecia era a de ser amada. Nunca fui amada. Na verdade, nos meus primeiros minutos da minha vida, possivelmente eu fui amada pela minha mãe. Mas isso foi antes de ela me largar no orfanato, de onde eu só fui sair pouco tempo atrás. Mas isso é outra história.
Sabe quando chega alguém, do nada, e muda a sua vida quase que completamente? Duvido que você saiba disso tão bem quanto eu. A vida ajudando e aconselhando sempre foi monótona, mas era o bastante que eu precisava pra sobreviver. Só que as coisas começaram a mudar numa noite de quinta feira. Não estava chovendo, mas também não era uma noite muito quente. Tudo estava harmônica e perfeitamente normal. Foi quando eu vi o Tom pela primeira vez. Seus olhos me encantaram. Não pela cor, que era de um castanho bem comum, mas sim pela doçura, sinceridade e pureza que eu pude sentir só de olhar neles. Aquele olhar me acalmou, e me fez sentir bem como eu nunca havia me sentido antes.
Tom me fascinava com a delicadeza de suas palavras, o tom da sua voz, a paz em seu sorriso, que me fazia sentir no paraíso. Eu realmente nunca havia me sentido assim com relação a ninguém antes. Lógico eu já estivera amando, já estivera apaixonada muitas vezes antes. Mas com o Tom, com ele era diferente. Eu podia senti-lo mesmo estando longe, podia vê-lo em meus sonhos e isso já bastava para amá-lo mais e mais.
Mas foi aí, no momento mais feliz da minha vida, que aconteceu algo que me fez sentir tão inútil como eu nunca havia me sentido antes. Todos nós passamos por problemas emocionais, psicológicos, problemas sérios e outros não tão sérios assim. Agora era a vez de Tom enfrentá-los. Sua mãe estava gravemente doente, e ele não podia fazer nada para ajudá-la. Acontece que ela estava com câncer no estômago e, infelizmente, fora diagnosticado tarde demais. Como era de se esperar, ele estava arrasado, e eu sabia que só eu poderia ajudá-lo, apenas eu tinha esse poder. Literalmente.
Acontece que dessa vez foi diferente. Eu não consegui. Não consegui consolá-lo, não consegui fazê-lo sentir melhor. Dessa vez, só dessa vez, a mão que lhe acudiu não conseguiu o erguer do chão. E isso me jogou no chão, com toda a força que alguém pode ser jogado. Eu não entendia o que estava acontecendo de errado comigo. Por que dessa vez era diferente? Por que dava certo com todos, menos com ele? Eu já sabia. Ou melhor, eu imaginava, mas me recusava a admitir que aquilo fosse realmente verdade. O fato é que eu sou alérgica ao amor. O fato de não ser amada já estava bem certo na minha vida, eu já estava acostumada com isso. Mas a sensação de amar e ser amada em troca, essa sim era completamente desconhecida para mim. Acontece que estar com ele me faz não sentir meus pés, minha mente, meu corpo. E quando eu o abraço, isso me deixa sem chão, me faz flutuar, me faz levitar. Só que essa levitação não tem nada a ver com os meus poderes, não mesmo. Tem a ver com essa maldita kryptonita chamada amor. Durante anos eu vivi perfeitamente bem sem ele, quero dizer, sem o amor. Ou, pelo menos, era o que eu achava. Depois que conheci o Tom, percebi que até aquele instante eu estava sobrevivendo. Mas viver não é sobreviver, e eu só comecei a viver de verdade depois de tê-lo conhecido.
Estava vivendo o desconhecido agora. Não sabia, até então, como era amar e poder ser amada em troca. Não sabia também como era viver sem os meus poderes, sem ter como ajudar os outros com a mesma facilidade de antes. Mas de uma coisa eu estava certa: eu não abriria mão desse amor por nada nesse mundo. Abdicava dos meus poderes, deixava de lado meu dom. Por ele – me refiro ao amor -, agora que o havia conhecido, eu largava tudo, deixava o mundo, iria fundo. Iria e fui, e nunca mais voltei. Encontro-me hoje perdida na paixão, envolvida pelos braços do amor, completamente apaixonada pelo poder de amar e ser amada.