Jéssica Florindo – E o mundo se virou contra mim

Todos em minha escola podem se dizer orgulhosos de seus poderes esplêndidos. Já eu, nem poder tenho. Não posso treinar junto aos meus amigos, não posso temer a perda ou o enfraquecimento dele, pois não o possuo. Pelo menos era o que achava.
Sexta-feira treze, estava eu caminhando pela rua, brincando com as sombras, como se não tivesse medo daquela escuridão profunda e dos pequenos ruídos sobre o silêncio daquela noite. Avistei um vulto. Continuei caminhando e veio a minha cabeça aquele ditado antigo: “quem canta seus males espanta”. Crendo com toda a minha fé nessas palavras, me pus a cantar. Mesmo com toda a desconfiança sobre aquilo que vi, nada me ocorreu.
Na terceira e última sexta-feira treze do ano, passei novamente por aquela rua abandonada. Já havia até esquecido do último acontecimento. Olhava para o céu despreocupada e totalmente fora da realidade em que eu me encontrava. Não demorou muito e meu olhar se voltou a uma sombra, que aliás, não me pertencia, mas me chamava rindo como se me conhecesse. Me aproximei e sem mais nem menos, desmaiei. Tive com ultima imagem uma luz forte clareando o rosto de um homem.
Acordei em casa, sobre minha cama. A questão era: o que aconteceu? Não tinha tempo para procurar respostas, pois já estava atrasada para a aula. Era dia de receber a nota do trabalho sobre a suposta 3ª Guerra Mundial causada pela pequena porcentagem de água potável no mundo. Meu trabalho foi bem elaborado com argumentos construtivos, imagens, Power Point e vídeos. Todo meu trabalho árduo foi em vão. A nota que recebi era ridícula. Aquela professora não devia de se orgulhar daquele diploma que levava na bolsa. Fiquei muito nervosa! Estava a ponto de explodir! E foi quase isso que aconteceu. Quando percebi estava em chamas. Meu corpo todo estava coberto por fogo. Todos ficaram pasmos e correram da sala. Fiz o mesmo.
Estava tão surpresa quanto todos. Não só espantada como também curiosa como uma criança quando ganha um brinquedo novo. Acima de tudo estava feliz por poder dizer que eu sou uma super-heroína por completo.
Enquanto sorria para o mundo ele se voltou contra mim. Já haviam tido problemas com pessoas que tinham o mesmo poder, por isso me excluíram da escola e até da minha própria casa. Quando viraram as costas para mim, eu também virei a minha e fui em busca do controle perfeito do meu poder para poder me vingar daqueles que me negaram.
Alguns poderiam dizer que o fogo só traz morte, mas se forem revisar esta questão poderiam ver que a culpa não está nas chamas, mas sim no preconceito, na falta de solidariedade, na falta de amor e na traição. Poderia dizer que essa seria minha kryptonita, pois minha vida e meus poderes acabaram exatamente nessa parte da minha trajetória.
Fui traída pelo meus próprios pais, que simplesmente me trancaram em um frigorífico. O frio não doía tanto quanto o meu coração em pedaços. Foi o fim para quem nem começou.

Rafaella Hamms Curcio – Ao Senhor Prefeito!

Tonwsville, 06 de março de 1985

Querido prefeito, aqui quem lhe escreve é Catarina – quando não estou salvando nossa cidade, que por sinal, depois de alguns longos e belos dias batalhando, encontra-se em um estado de harmonia, mas bem, este não foi o propósito desta minha carta!
Bom, como o senhor sabe, tenho vários poderes e, dentre eles, os meus favoritos são habilidade de voar, visão laser, invisibilidade e, o último e mais importante, capacidade de ler a mente dos criminosos, mas ultimamente não está sendo possível. Logo, o senhor deve estar se perguntando: por quê?
Pois bem, não está sendo nada fácil, porque ultimamente andam plantando muitas cerejeiras pelas ruas e meus poderes perto de cerejeiras enfraquecem a ponto de estar voando e cair no chão. Então, peço-lhe que retire as cerejeiras e coloque árvores diferentes (exemplo: macieiras) , assim vou poder continuar salvando a cidade das mentes perigosas. Se houver um motivo maior para que o senhor não me ajudar, nem precisa explicar, já vou entender que sou uma ameaça a sua pessoa…

Abraços, Catarina.

Vanessa Mattos – Desabafo de uma aluna

Atualmente, o respeito em sala de aula tem se tornado cada vez mais raro. E a falta de respeito a um professor não é somente no fato de xingá-lo ou coisa do tipo, é também em coisas mais comuns, como mexer no celular e falar constantemente durante a explicação do professor.
O fato é que isso se tornou algo corriqueiro nas salas de aula, e tão corriqueiro que já é considerado normal. A nova geração não tem sido educada corretamente pelos pais, resultando no desrespeito não somente aos próprios pais, mas também aos professores, colegas, e qualquer um que os contrariar, pois essa geração é a de pessoas mimadas.
É claro que quando falo nessas pessoas, não estou falando que todas são, mas as que não são já são consideradas exceção. Antigamente os professores entravam em sala, e o silêncio começava, e isso se dá provavelmente ao fato de que a educação de antigamente era mais rígida.
Os pais têm que educar melhor seus filhos, para não reclamar das consequências no futuro. São muitos os pais que acham que a escola deve educar seu filho, e o deixa de lado, quando na verdade o dever da escola é ensinar as crianças e os adolescentes, o que está ficando difícil, já que os alunos não respeitam os professores, logo o conteúdo não consegue ser totalmente passado.
Se continuarmos nesse ritmo, essa geração, a considerada “o futuro do país”, será uma geração de intolerantes, desrespeitosos e burros, salvo poucas exceções. Os pais têm que educar melhor seus filhos, e as escolas não devem ter pena para quando for preciso expulsar ou tomar alguma atitude drástica com o aluno.

Luiz Gustavo Michels – O amor vai além da vida

Caroline, uma jovem de dezenove anos, mora em Florianópolis. A jovem vem de uma família bem sucedida. Caroline cursa História na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e está na quarta fase.
Muito estudiosa, está lendo, em sua casa, seu livro que o professor indicou e logo ela parte para a universidade. Chegando lá, ela se junta com seus colegas pra estudar no gramado. Ao lado do grupo dela está um jovem calouro de Direito; eles trocam olhares e ela resolve ir falar com ele. Caroline senta-se ao lado dele e pergunta:
– Qual o seu nome?
Ele logo responde:
– Meu nome é Bernardo. E o seu?
E, com um suspiro, ela diz:
– Caroline.
E os dois ficaram conversando. Ele ofereceu bolacha para Caroline e, com uma fome excessiva, ela devorou o pacote inteiro. Bernardo logo estranhou.
Após alguns meses, Caroline e Bernardo começaram a se relacionar e acabaram namorando, o jovem falava para Caroline que queria conhecer a sua família e ela sempre recusava, mas ele insiste e logo ela aceita e os apresenta.
Após dois anos, Bernardo terminando o curso e Caroline já formada, ele a pede em noivado; porém, por mais feliz que esteja, está preocupado com sua noiva, pois ela está emagrecendo drasticamente e comendo exageradamente, Bernardo leva sua noiva a uma clínica da região e ela é diagnosticada com bulimia.
Em cerca de três meses, Caroline é tratada com um gástrico e um psicólogo, porém já é tarde. Ela é internada e levada diretamente para a UTI. A jovem estava usando roupa tamanho 12, sendo que estava prestes a completar vinte e três anos.
Sua família e seu noivo ficaram o tempo todo no hospital esperando por uma, apenas uma, notícia. Bernardo ficava sempre ao lado da noiva, já fazendo planos para o futuro.
Caroline, com um problema no coração, pergunta a Bernardo:
– Se você pudesse, doaria o seu coração pra mim?
E, sem nem pensar, ele responde:
– Não, pois meu coração já é seu há muito tempo. Não importa o que aconteça, não importa onde estivermos. Eu simplesmente te amo.
E cansado de ver sua esposa viver só com ajuda de aparelhos, fazendo muita força para dar apenas um suspiro, desligou-os. Depois disso, logo se jogou da janela do hospital.
Quando os parentes de Caroline chegam ao quarto, encontram a jovem morta e a janela aberta. Olham pelo vão da janela e veem o corpo de Bernardo no chão. Do lado do corpo de sua filha, encontram um papel contendo apenas uma frase: “O amor vai além da vida”.

Bianca Fernandes dos Santos – Meio do nada

Respirei fundo. “Isso não pode estar acontecendo”, pensei. Não era real. Nada daquilo era.
– Só te peço desculpas, – ele começou – por tudo, por um dia ter entrado na tua vida, por estar fazendo você sentir isso agora, desculpa por ter te tratado como qualquer pessoa, – não pode ser, não, não, não – mas também não está sendo fácil pra mim. Eu te amo tanto e é por isso que estou fazendo isso por nós dois…
– Nós? Você pelo menos perguntou o que eu queria? Essa é uma decisão sua. – ele não podia abrir mão de mim desse jeito, não depois de tudo o que havíamos passado – E você acha isso certo? Sair por aí machucando as pessoas e achando que elas vão aceitar todas as suas decisões?
– Eu te amo tanto que estou abrindo mão de ti. É muito fácil me julgar, sem saber o que se passa por dentro de mim. Estou abrindo mãe de nós, pela tua felicidade.
– Mas você é tudo o que eu quero nesse momento! Por meses eu imaginei nosso futuro juntos. Minha felicidade depende da sua. O quão difícil é entender isso? Eu preciso de ti. Preciso de você na minha vida pra poder sorrir todos os dias. Quero acordar contigo me olhando e dizendo que me ama. Nós prometemos um ao outro que ficaríamos juntos em qualquer momento, independente da situação. Por que você está desistindo de nós tão fácil?
– Meu amor, olha pra mim, estou me sentindo tão culpado por estar te fazendo sofrer e isso é a última coisa que eu queria. É difícil, mas é uma coisa que nós dois temos que aceitar e se conformar, seguir em frente e deixar que o tempo nos diga.
“Como?” Eu me perguntava. Não podia ser possível. “Como ele consegue? Como consegue dizer todas essas palavras olhando diretamente nos meus olhos?”
– Sabe qual é o problema? – falei – É que você nunca iria me amar da mesma forma que eu te amo. E por que isso é…
– Você está certa. – ele disse, para a minha surpresa – É isso que estou tentando te dizer, eu nunca vou poder te amar totalmente. Nunca vou poder te dar tudo o que você merece. Nunca vou poder te fazer completamente feliz.
Silêncio. Foi tudo o que houve. Meu coração batia tão forte que eu me questionava se ele poderia ouvir. Meu mundo estava desabando. Naquele momento, eu não tinha chão. Era como se tivessem tirado uma parte de mim. E tudo o que restara era a dor. Nunca havia me sentido tão solitária como estava me sentindo naquele momento. “Eu nunca vou te deixar sozinha”, as palavras dele ditas alguns meses antes ecoavam na minha mente. Nunca. Nunca. Nunca.
– Então tudo o que você disse era mentira? – perguntei.
– Não, é claro que…
– Disse que me amaria acima de qualquer coisa, – não deixei que ele continuasse – que sempre estaria aqui por mim. Que eu sempre teria alguém em quem pudesse confiar. Não vejo mais isso em você. Onde está o menino pelo qual eu me apaixonei?
– Eu continuo aqui. Ainda sou o mesmo. Ainda te amo. Amo mais do que qualquer coisa nesse mundo.
– Ainda me ama?
– Amo.
Outro momento de silêncio. Era tudo mentira, desde o começo, uma brincadeira.
– Eu estava levando tudo isso tão a sério, sabe? – comecei – Pela primeira vez, alguém estava gostando de mim de verdade, sem nenhum jogo ou piada. E agora é tão estranho admitir que nada vai voltar a ser o que era antes. O pior de tudo é que a única pessoa que eu queria me ajudando pra passar por isso é a mesma que fez com que tudo acontecesse. Sabe o que significa? Eu confiava a minha vida em você. Todos os meus segredos, as minhas dores, as alegrias. Tudo girava em torno de nós.
– Sei que não vais me esquecer de uma hora pra outra e nem eu de ti. – eu sentia a dor na voz dele – Eu sei que eu te tinha por completo. Mas eu cansei de esperar. Cansei de esperar você se ajustar a tudo e a todos. Cansei de tentar entender o nosso relacionamento. Já parasse pra pensar no buraco em que estávamos afundando?
Ele tinha razão. Não havia mais motivos para tentar. Por que tentar sair de um lugar onde nós mesmos nos metemos? E onde tudo ao nosso redor estava desmoronando? Íamos nos afogar nas nossas próprias mentiras, tentando fazer com que tudo desse certo.
– Você está certo. – admiti – Eu só não estou pronta pra partir. Não estou pronta pra desistir de uma coisa pela qual tanto lutei. Tudo está tão bagunçado e não sei como concertar isso. Só queria que tudo voltasse a ser como era antes.
– Não podemos tentar recomeçar. É impossível. Você tem que conseguir ser forte. Tem que esquecer. Esquecer todos os sorrisos, todos os nossos momentos juntos…
– Apenas não me sinto tão forte agora.
– Não quero te ver assim. Você é a menina mais forte que eu conheço. Quem mais conseguiria manter um relacionamento que girava em torno de brigas e discussões por tanto tempo?
– Não fale isso! – gritei – Eu te amo. E meu amor por você é maior do que qualquer momento ruim pelo qual nós passamos. O que eu mais queria agora é que você sentisse isso também. Se você realmente me amasse o tanto quanto você dizia me amar, conseguiríamos passar por isso. Você não consegue lembrar? Lembrar-se do quanto fomos felizes?
Ele não conseguiu responder. Ficou sem palavras de novo. Aquele silêncio estava me matando. Desejei que ele pudesse perceber o erro que estava cometendo.
– O dano está feito agora. – ele completou meus pensamentos – Não podemos mais seguir pelo mesmo caminho. Por tanto tempo tentamos entender essas barreiras que impediam que tudo desse certo… Mas a única coisa no nosso caminho éramos nós mesmos. Só nunca percebemos isso.
– Está tudo acabado então? – finalmente perguntei.
– Sim. Temos que colocar um ponto final nisso tudo.
– Você sabe que eu nunca irei voltar, não é?
– Sim.
– Por favor, apenas nunca se esqueça de tudo o que passamos. E saiba que eu teria te amado por toda a minha vida.
– Eu te…
– Não diga mais nada. – interrompi, com lágrimas nos olhos. – Eu te amo.
Ele me olhou pela última vez e partiu, me deixando ali sozinha. Deixando-me no meio do nada, com um vazio no coração.

Manoella Cristina Souza – Bolacha

Bolacha. É assim que me chamam desde que eu nasci, naquela fábrica, cercada de várias outras bolachinhas. Comecei minha vida basicamente como farinha de trigo, mas mamãe sempre me disse que eu seria alguém melhor. São esses conselhos de mãe que ajudam a formar o caráter, e me transformaram na bolacha que sou hoje. É claro que meu sonho sempre foi ser uma bolachinha recheada, daquelas que as crianças adoram. Não era muito animador ter que assistir minhas colegas saindo rápido das prateleiras do supermercado, enquanto eu continuava lá por muito tempo. Meu destino, você sabe, o futuro, também não é uma coisa na qual eu goste muito de pensar. Gosto de viver cada dia intensamente, ou tão intensamente como alguém como eu poderia viver. Meu nome é Maria, eu sou uma bolacha de leite.

Manoella Cristina Souza – Além do “super”

Gostaria de poder dizer que sou do tipo de garota que não se importa com o que os outros dizem, do tipo que não se apega facilmente, que não faz tanta questão de ser amada e que não precisa dos outros pra viver. Eu gostaria mesmo que isso fosse verdade. Acontece que eu sou completamente o oposto disso. Eu sou frágil, sensível. Qualquer palavra, qualquer sinal, a mínima expressão pode me deixar aos pedaços.
Sim, eu sei, não sou a única garota sensível do mundo. Mas, certamente, sou a única com super poderes. Pelo menos a única que eu conheço. Não sei de onde eu herdei isso, também não sei por que fui “abençoada” com esse dom, mas, de certa maneira, eu sempre soube que era diferente. Os poderes começaram a se manifestar de maneira bem simples, quando eu tinha apenas dois anos. Ou talvez eu já os tivesse antes, só não percebia. Até os 11 anos de idade, fazia apenas coisas banais como levitar uma coisa ou outra, comer sem o auxílio das mãos… Coisas bem simples e sem importância. Mas foi com 11 anos que eu realmente descobri o porquê de tudo isso, qual é o meu verdadeiro e maior poder, a minha vocação, o motivo de eu estar aqui. Eu tenho o poder de acalmar as pessoas, de consolá-las, de fazê-las sentir melhor. Isso vai muito além apenas das palavras, ou algo que qualquer mortal pode fazer. Na realidade tem a ver com aquela coisa de super-heroína, e acredito que seja a única coisa que ainda me mantém presa a este mundo.
Desde pequena, eu sempre fui boa com as palavras, isso eu não posso negar. Sempre que eu conversava com pessoas que não estavam se sentindo bem, seja quem quer que fosse eu sempre as fazia sentir melhor. Por um bom tempo, eu realmente acreditei que apenas era “boa com as palavras”, mas depois comecei a associar isso com os meus outros dons esquisitos, e fui tendo cada vez mais certeza de que eles estavam todos relacionados. Digamos que eu seja uma super-heroína emocional.
Mas eu tenho um sério problema. Tenho alguns, na verdade. Mas, dentre eles, o mais importante é que eu consigo acalmar, aconselhar, ajudar e deixar muito melhor qualquer pessoa. Qualquer pessoa, exceto eu mesma. Eu não sei por que, mas a coisa simplesmente não funciona comigo. Já tentei usar do meu poder comigo mesma inúmeras vezes, já fiquei horas na frente do espelho conversando comigo, tentando dizer palavras que fossem me consolar e me fazer sentir melhor, palavras que costumam funcionar com os outros. Não comigo. Embora eu deva ser a pessoa que mais precisa dos meus conselhos.
Um fato que sempre me deixou deprimida foi o de que eu sempre ajudo a todos. Sempre estou lá para quem precisar de um ombro pra chorar, um ouvido pra desabafar, um abraço amigo, um colo que seja capaz de levantar do chão. Sempre representei tudo isso, mas nunca fui retribuída com nada dessas coisas. Nunca ninguém se disponibilizou a me ajudar, sequer a me ouvir quando eu mais precisei. E eu precisei, e muito. Era o que eu mais queria nos momentos de tristeza, alguém disposto a me ajudar a me reerguer. Mas nunca tive ninguém. Acontece que eu aprendi a viver assim, me acostumei com a minha dura realidade, e aceitei o fato de que eu sou aquela que ajuda, que aconselha, e que não ganha nada em troca. Nada além daquela sensação engraçada no cantinho do estômago, aquela sensação que você tem por ter feito bem a alguém. Mas também não passa disso.
Só que um dia minha vida mudou um pouco, o suficiente pra eu começar a enxergar as coisas de outro modo. Eu sabia muito bem qual era a sensação de amar alguém, amar tanto a ponto de fazer qualquer coisa por essa pessoa, essa sensação eu conhecia bem. A sensação que eu ainda não conhecia era a de ser amada. Nunca fui amada. Na verdade, nos meus primeiros minutos da minha vida, possivelmente eu fui amada pela minha mãe. Mas isso foi antes de ela me largar no orfanato, de onde eu só fui sair pouco tempo atrás. Mas isso é outra história.
Sabe quando chega alguém, do nada, e muda a sua vida quase que completamente? Duvido que você saiba disso tão bem quanto eu. A vida ajudando e aconselhando sempre foi monótona, mas era o bastante que eu precisava pra sobreviver. Só que as coisas começaram a mudar numa noite de quinta feira. Não estava chovendo, mas também não era uma noite muito quente. Tudo estava harmônica e perfeitamente normal. Foi quando eu vi o Tom pela primeira vez. Seus olhos me encantaram. Não pela cor, que era de um castanho bem comum, mas sim pela doçura, sinceridade e pureza que eu pude sentir só de olhar neles. Aquele olhar me acalmou, e me fez sentir bem como eu nunca havia me sentido antes.
Tom me fascinava com a delicadeza de suas palavras, o tom da sua voz, a paz em seu sorriso, que me fazia sentir no paraíso. Eu realmente nunca havia me sentido assim com relação a ninguém antes. Lógico eu já estivera amando, já estivera apaixonada muitas vezes antes. Mas com o Tom, com ele era diferente. Eu podia senti-lo mesmo estando longe, podia vê-lo em meus sonhos e isso já bastava para amá-lo mais e mais.
Mas foi aí, no momento mais feliz da minha vida, que aconteceu algo que me fez sentir tão inútil como eu nunca havia me sentido antes. Todos nós passamos por problemas emocionais, psicológicos, problemas sérios e outros não tão sérios assim. Agora era a vez de Tom enfrentá-los. Sua mãe estava gravemente doente, e ele não podia fazer nada para ajudá-la. Acontece que ela estava com câncer no estômago e, infelizmente, fora diagnosticado tarde demais. Como era de se esperar, ele estava arrasado, e eu sabia que só eu poderia ajudá-lo, apenas eu tinha esse poder. Literalmente.
Acontece que dessa vez foi diferente. Eu não consegui. Não consegui consolá-lo, não consegui fazê-lo sentir melhor. Dessa vez, só dessa vez, a mão que lhe acudiu não conseguiu o erguer do chão. E isso me jogou no chão, com toda a força que alguém pode ser jogado. Eu não entendia o que estava acontecendo de errado comigo. Por que dessa vez era diferente? Por que dava certo com todos, menos com ele? Eu já sabia. Ou melhor, eu imaginava, mas me recusava a admitir que aquilo fosse realmente verdade. O fato é que eu sou alérgica ao amor. O fato de não ser amada já estava bem certo na minha vida, eu já estava acostumada com isso. Mas a sensação de amar e ser amada em troca, essa sim era completamente desconhecida para mim. Acontece que estar com ele me faz não sentir meus pés, minha mente, meu corpo. E quando eu o abraço, isso me deixa sem chão, me faz flutuar, me faz levitar. Só que essa levitação não tem nada a ver com os meus poderes, não mesmo. Tem a ver com essa maldita kryptonita chamada amor. Durante anos eu vivi perfeitamente bem sem ele, quero dizer, sem o amor. Ou, pelo menos, era o que eu achava. Depois que conheci o Tom, percebi que até aquele instante eu estava sobrevivendo. Mas viver não é sobreviver, e eu só comecei a viver de verdade depois de tê-lo conhecido.
Estava vivendo o desconhecido agora. Não sabia, até então, como era amar e poder ser amada em troca. Não sabia também como era viver sem os meus poderes, sem ter como ajudar os outros com a mesma facilidade de antes. Mas de uma coisa eu estava certa: eu não abriria mão desse amor por nada nesse mundo. Abdicava dos meus poderes, deixava de lado meu dom. Por ele – me refiro ao amor -, agora que o havia conhecido, eu largava tudo, deixava o mundo, iria fundo. Iria e fui, e nunca mais voltei. Encontro-me hoje perdida na paixão, envolvida pelos braços do amor, completamente apaixonada pelo poder de amar e ser amada.

Manoella Cristina Souza – Certezas Incertas

Como dizer adeus a uma pessoa que você nunca se imaginou vivendo sem? Eu não sabia. Eu não disse adeus. Eu não disse nada. Eu simplesmente a deixei ir. Enxuguei com a manga da blusa a lágrima que apareceu no canto do meu olho esquerdo. Logo já havia voltado à monótona vida de antes.
Aos nove anos, quando perdi minha mãe para um acidente de carro, a vida me obrigou a encarar a dura realidade de que ela não voltaria nunca mais. Mas de uma coisa eu estava certo: ela não havia escolhido me deixar. Quando eu era um garoto, costumava pensar que a perda estava apenas relacionada à morte. Não era verdade. Ainda há pouco, havia acabado de encarar uma das mais difíceis perdas da minha vida, mas não foi a morte que a tirou de mim. Não, não foi a morte, não foi a distância, nem mesmo a dúvida. Pelo contrário, foi a certeza. Certeza dela. Já eu, eu não tenho mais certeza de nada. O tempo ajudou seu coração a esfriar o sentimento. Agora tenho dúvidas de se, algum dia, já existiu um sentimento.
Há um bom tempo, havia me tornado especialista em perdas, mas isso não significa que havia aprendido a superá-las. Uma perda é sempre difícil, é sempre dolorida, e disso eu sabia bem.
Tínhamos tantos sonhos, tantos desejos, fizemos planos e promessas. Eu me pergunto o que foi feito das promessas. Foram esquecidas, apagadas. Foram embora com ela. Tenho certeza de que algumas dessas coisas nós fizemos, mas a maioria delas não. Sei que eu também prometi coisas que não fui capaz de cumprir. Eu me esforcei, tentei. Poderia ter tentado mais, mas são coisas que nós só percebemos com o passar do tempo. Apesar disso, eu tinha a intenção de cumpri-las. Acredito que esse seja o princípio da promessa, a intenção. Promessas que nunca chegaram perto de ser cumpridas magoam. Promessas quebradas partem corações.
Talvez os nossos dias juntos tenham sido para ela tão bons quanto foram para mim. Talvez ela ainda não tenha esquecido completamente das nossas risadas, das carícias, do toque, do sentimento que uma vez existiu. Mas que morreu. Talvez, por um breve segundo, ela ainda sinta falta do meu abraço, do meu cheiro, do meu jeito. Porque eu sinto a falta dela por completo. Às vezes me pergunto se deixei faltar alguma coisa, pode ser que sim. Tinha harmonia, tinha amizade, tinha aproximação, tinha até carinho, tinha tudo pra dar certo. Só não tinha amor. O amor dela.
Dói ver a pessoa amada se afastando. Dói ainda mais pensar, tarde demais, que você não fez nada para que ela ficasse. E eu queria que ela ficasse. Queria que ficasse se me amasse. Entre o amor e a liberdade, ela guardou o que julgava mais importante: a liberdade. Já eu, amante nato do verbo amar, sempre preferi o amor. Por culpa da minha ingenuidade, ambos me foram tirados.
Minhas memórias são feitas de erros e arrependimentos, de tropeços e lamentos, de dúvidas, mas também de certezas. Hoje acredito que certezas incertas, certezas desejadas. Desejo agora a certeza de que tomei a decisão correta a deixando ir. Se não era verdadeiro, era evidente que não duraria.
Ela ficou com a liberdade. Eu fiquei com a solidão. Mas na manhã seguinte eu acordaria e iria em direção ao espelho. E só então, pela primeira vez em toda a minha vida, ali eu encontraria alguém para amar. Alguém que realmente valesse a pena amar e que seria a única pessoa capaz de me amar de volta tão facilmente. Até ontem estava certo de que o fato de ter me restado apenas a solidão não era bom, mas a solidão nos faz aprender a ter amor próprio.

Monique Coelho – Terríveis pipocas

− Super-heroína, como assim?
Tinha sido essa a minha reação depois de ter ouvido de um amigo que eu era um tipo de heroína dos filmes ou heroína cinéfila.
Essa nossa pequena discussão começou quando eu acabava de sair da ultima sessão de cinema do dia. Estava passando pela porta quando esse meu amigo vem ao meu encontro com aquela cara de “novidade você por aqui”. E foi exatamente o que ele disse logo em seguida. Nos cumprimentamos e então ele perguntou quantos filmes eu já havia assistido naquele dia. A resposta foi uma só:
− Esse foi o quadragésimo terceiro de hoje.
Eu já estava acostumada com a reação das pessoas depois de uma resposta como essa, mas acho que esse amigo era o que tinha a pior das reações. Nunca ouvi tanto “você é louca” em uma só frase. E por fim ele me vem com essa história de heroína cinéfila, como se a minha capacidade de assistir em média cinquenta filmes por dia fosse como um super poder.
Naquele momento não me interessei muito por essa teoria maluca do meu amigo, mas depois de um tempo eu comecei a pensar e a analisar que talvez ele pudesse estar certo. Afinal, eu não conhecia mais ninguém com essa capacidade e nem com essa paciência toda pra assistir cinquenta filmes por dia. Era uma coisa minha, uma coisa que eu tinha desde muito pequena. E toda essa paixão que eu tenho pelo universo do cinema não era algo normal, não era algo que uma pessoa cinéfila qualquer teria.
Comédia, romance, terror, filmes cult, sucessos de bilheteria, biografias, curta metragens, de época… eu assistia de tudo, em casa ou em uma sala de cinema, sem que o cansaço e o sono me afetassem. Sempre muito concentrada, prestando atenção em cada pequeno detalhe do filme. E eu já estava certa de que esse era o meu super poder.
“Mas se heróis como o Super-Homem tem um tipo de Kryptonita, que faz com que seus poderes se enfraqueçam, qual seria a minha?” E essa era mais uma teoria que brotava em meus pensamentos.
No dia seguinte lá estava eu indo ao cinema. Era sábado e as filas da bilheteria e da lanchonete estavam enormes. Pessoas de diferentes gêneros e tamanhos andavam de um lado para o outro com seus ingressos e sacos de pipoca nas mãos esperando a sessão de seus filmes começarem. E eu, com minha boa e velha barrinha de chocolate na mão, seguia na direção da sala em que meu filme seria exibido. Do nada uma menina com um balde enorme de pipoca passa as pressas por mim e acaba tropeçando nos pés de uma senhora. Tinha pipoca por todos os lados, e isso meio que me desconcentrava e me tirava do sério. “Imaginem o trabalhão que terão para limpar toda essa sujeira”, era só o que eu conseguia pensar. E o pior era que a minha vontade de assistir ao filme estava se esvaindo por conta da minha grande irritação com as pipocas.
“Essa é minha Kryptonita!” Esse pensamento logo veio na minha cabeça. Então eu comecei a me afastar cada vez mais daquelas pipocas no chão e aos poucos senti meu poder voltando ao normal. Eu nunca tinha percebido o quanto me alterava com as pipocas, talvez eu estivesse obcecada por essa idéia de herói, mas isso foi realmente muito estranho. Era verdade que nunca gostei muito da combinação “pipoca e cinema”, sempre preferi um bom chocolate para assistir meus filmes.
Corri para sala do filme. Fui a primeira a entrar, e quando me sentei na poltrona minha ansiedade para que o filme começasse era enorme. Aos poucos outras pessoas foram entrando e procurando uma boa poltrona para se sentarem. E eu as observava procurando alguém que estivesse com um saco de pipoca. Algumas pessoas entravam com suas pipocas, mas por sorte elas sempre se sentavam longe de mim. Até o momento em que um garoto com seu balde de pipocas resolve se sentar bem ao meu lado.
Começava a me sentir mal quando o filme começou, e toda aquela vontade de assisti-lo diminuía gradativamente. Era horrível sentir o cheiro daquela pipoca e pior ainda era ouvir o som dela sendo mastigada pelo garoto. Já estava completamente desconcentrada, minha paciência estava se esgotando e o cansaço me tomava. Nem do nome do filme eu lembrava mais. Resolvi mudar de lugar, mas por todos os lados tinha alguém comendo pipoca. A única alternativa era sair daquela sala antes que o sono me derrubasse.
Quando cheguei em casa já estava me sentindo melhor, a não ser pela raiva que eu estava daquela maldita teoria do meu amigo. Depois de semanas pensando nesse mesmo assunto eu já me aceitava como heroína e agora as pipocas seriam as pragas da minha vida. Teria que ficar bem longe dos cinemas e suas lanchonetes.
Daqui pra frente, assistir cinquenta filmes por dia teria que ser somente em casa com o meu fiel ajudante, o chocolate. E agora mais do que nunca éramos como Batman e Robin.

Isabela Cassilha – Surpresas da vida

O relógio marcava 22h00. Estava na hora de voltar para as minhas origens: a casa dos meus pais. A saudade doía dentro do peito, afinal, não os via há mais de sete anos. Fui atrás dos meus sonhos no Canadá. Mal sabia eu que sonho mesmo era estar sempre por perto da minha família, amigos e tudo aquilo que eu havia deixado para trás por dinheiro. Mas era tarde demais para voltar quando me dei conta de tudo isso.
Coloquei minhas malas no carro, abri a porta, sentei. Estava mais sozinho do que nunca. Minha esposa havia me abandonado. Meu cachorro? Morreu. Minha filha? Minha esposa levou. Só me restava o consolo dos meus pais.
Fui para o aeroporto. Por pouco não perdi meu voo. Estava muito ansioso. Meus pais nem imaginavam que eu voltaria, quis fazer surpresa. O avião decolou. “Lá vou eu, lar doce lar” – pensei.
Horas e horas depois, eu finalmente havia chegado. Estava frente a frente com a porta de casa. Ah, que saudade. Apertei a campainha. Esperei alguns minutos. Nada. Apertei novamente. Nada. Já estava começando a ficar preocupado. Bati na porta, gritei, bati palmas. Nada! Recorri a vizinha.
– Ô dona Maria, onde estão meus pais?
Eu, tão ingênuo, na expectativa de fazer uma linda surpresa para eles, fui surpreendido ao saber que fazia 1 semana que haviam morrido num acidente de carro. Eles estavam indo, de surpresa, me visitar.